Novo pacote de medidas vai mexer muito com o mercado imobiliário, desde os vistos gold ao AL, passando pelo controlo das rendas.
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Novas medidas para habitação
António Costa, primeiro-ministro GTRES | Freepik

Sem ter conseguido dar uma resposta efetiva à crise habitacional, que por vários motivos se tem vindo a agudizar em Portugal nos últimos anos, António Costa decidiu agora apresentar um novo plano de ataque, chamado "Mais Habitação". Com este novo programa, o Governo promete aumentar a oferta de casas no mercado e facilitar o acesso à habitação com preços acessíveis no médio prazo, mas também solucionar problemas mais imediatos para as famílias que necessitam de apoio, tanto no arrendamento como no crédito habitação. Para isso, o Governo de maioria absoluta optou agora por uma intervenção direta no mercado, com várias medidas que já estão a gerar polémica e contestação, como o fim dos vistos gold, a introdução de um limite ao aumento das rendas, a penalização ao Alojamento Local, a posse de casas vazias, assumindo o Estado um papel ambivalente de senhorio-inquilino.

Para justificar esta estratégia, o líder socialista argumenta que, em termos constitucionais, o “direito de propriedade” não se pode sobrepor a outros direitos fundamentais, como o “direito à habitação”. A oposição e vários players do setor imobiliário e da economia já se manifestaram em contra, antevendo-se assim um próximo mês de forte debate à volta do tema, na sociedade civil e no Parlamento. Até porque o pacote legislativo, aprovado esta quinta-feira no Conselho de Ministros dedicado à Habitação, está agora em consulta pública e só a 16 de março, em nova reunião do Executivo, é que as medidas serão aprovadas - umas decorrentes das iniciativas do Governo e outras por via de propostas de lei apresentadas à Assembleia da República.

Sendo o aumento da oferta de casas disponíveis para comprar e arrendar em Portugal uma das máximas prioridades assumidas agora pelo Goveno, o “Mais Habitação”, contempla, por outro lado, incentivos à colocação de imóveis para arrendar, por via de benefícios fiscais aos proprietários, bem como a criação de mecanismos para simplificar os processos de licenciamento e o uso de terrenos para se criar nova habitação acessível, através da construção modular.

Para as famílias, a braços com perdas de rendimentos e poder de compra, foram desenhados apoios ao arrendamento e ao crédito habitação, tanto por via direta como através de mecanismos como a isenção de mais-valias da venda de casas para amortizar os empréstimos.

Para ajudar a entender tudo o que está em cima da mesa, o idealista/news analisou o pacote de medidas “Mais Habitação” à lupa, que prevê um investimento total de 900 milhões de euros. E agora explicamos.

O caminho do Governo até chegar ao pacote "Mais Habitação"

“A questão da habitação é hoje uma preocupação central e transversal na sociedade portuguesa, visto que diz respeito não só às famílias mais carenciadas, como também particularmente aos jovens e às famílias de classe média”, começou por dizer o primeiro-ministro na longa conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros, acompanhado de Marina Gonçalves, ministra da Habitação, e Fernando Medina, ministro das Finanças.

O caminho para mudar a crise na habitação que hoje se vive em Portugal começou, segundo diz o Governo, a ser traçado desde 2016, com o lançamento da Nova Geração de Políticas de Habitação e a aprovação da lei de bases de habitação. Mais recentemente, foi criado o Ministério da Habitação, liderado por Marina Gonçalves, e lançado o Programa Nacional de Habitação que vem substituir Estratégia Nacional para a Habitação (ENH), criada em 2015. A tudo isto somam-se ainda as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que vêm reforçar o parque público habitacional com 26.000 novas casas até 2026.

"O pacote "Mais Habitação" é um programa focado nas pessoas, que pretende responder à urgente necessidade social de disponibilizar mais habitação e habitação acessível para as famílias fazerem face ao aumento das rendas ou das prestações do crédito", Fernando Medina, ministro das Finanças.

A questão é que o contexto económico mudou – e muito – durante 2022, com o eclodir da guerra na Ucrânia, que gerou uma crise energética, fez subir a inflação e aumentou os juros nos créditos habitação. “Ninguém pode ignorar o impacto no mercado da habitação, seja das subidas das taxas de juro, seja da subida significativa das rendas praticadas no mercado”, salientou António Costa.

E foi, por isso mesmo, que o Conselho de Ministros aprovou o pacote de medidas “Mais Habitação”, onde se pretende “agir em todas as dimensões do problema da habitação”, que, no seu conjunto, terá um custo de 900 milhões de euros. Isto sem incluir as “obras a realizar nos terrenos, nem nas rendas que poderão ser pagas pelo Governo”, por exemplo, esclareceu ainda Fernando Medina, ministro das Finanças, na ocasião. O montante será mobilizado através das verbas do Orçamento do Estado.

Arrendamento acessível
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1º eixo - Aumentar oferta no mercado com reconversão de comércio em casas

Para aumentar a oferta de casas no mercado residencial português – uma questão há muito levantada pelo mercado -, António Costa descartou duas medidas:

  • Conversão do uso de imóveis de comércio ou serviços para uso habitacional

Os terrenos ou imóveis autorizados para comércio e serviços vão poder ser utilizados para construção ou convertidos em habitação, sem que para isso seja necessária qualquer alteração de planos de ordenamento do território ou licenças de utilização.

  • Disponibilização de terrenos e edifícios para construção de habitação acessível

Com este novo pacote legislativo, o Estado passa a disponibilizar terrenos ou edifícios, em regime de contratos de desenvolvimento de habitações, que podem ser cedidos a cooperativas ou a privados, de forma que estas entidades possam desenvolver habitações a custos acessíveis.

Sobre este ponto, o Governo adiantou que vão ser lançados dois concursos num conjunto de terrenos dedicados especificamente à construção modular. Um dos concursos vai ser lançado no Porto, na Quinta do Viso, onde vão poder ser construídas cerca de 70 casas modulares. O outro concurso vai ser aberto em Lisboa, na Quinta da Alfarrobeira, para cerca de 350 fogos.

Mais construção de casas acessíveis
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2º eixo - Simplificar os processos de licenciamento na construção

Esta é uma medida já há muito reivindicada pelos promotores imobiliários em Portugal, que dizem mesmo que a morosidade dos processos de licenciamento tem agravado os preços das casas colocadas no mercado.

Reconhecendo a importância de agilizar os licenciamentos na construção, o Executivo socialista colocou em cima da mesa duas medidas:

  • Licenciar com termo de responsabilidade dos projetistas

“Os projetos de arquitetura e os projetos de especialidades deixam de estar sujeitos ao licenciamento municipal e as câmaras passam a emitir as licenças com base no termo de responsabilidade assinado pelos projetistas”, explicou na ocasião.

  • Juros de mora por incumprimento dos prazos de licenciamento

Criar um regime de juros de mora que visa aplicar uma sanção pecuniária aos municípios e às entidades externas envolvidas em caso de incumprimento dos prazos legalmente estabelecidos.

Assim, o licenciamento municipal ficará limitado à avaliação urbanística: se o solo é ou não permitido para construção e o respeito de normas, afastamentos e outras exigências urbanísticas.

Apoio aos senhorios
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3º eixo - Mais casas para arrendar: do Estado senhorio a benefícios fiscais

Estado compromete-se a pagar rendas com 3 meses de incumprimento

O Estado vai substituir-se ao inquilino e pagar rendas com três meses de incumprimento, para reforçar o mercado de arrendamento. Segundo o Governo, “todos os pedidos de despejo que deem entrada no balcão nacional de arrendamento, após três meses de incumprimento" poderão ser pagos pelo Estado, ou seja, "o Estado passará imediatamente a substituir-se ao inquilino no pagamento ao senhorio das rendas".

Em contrapartida, o Estado ficará na posição do senhorio para cobrar as rendas em dívida. E se houver "causa socialmente atendível" para justificar o incumprimento, o Governo assumirá o seu papel apoiando o pagamento das rendas ou avançando com uma medida de realojamento. No caso de se tratar de um "incumpridor profissional", então o Estado avançará com o despejo, explicou o primeiro-ministro.

Estado arrenda casas a privados para subarrendar

O Estado compromete-se a arrendar casas a privados pelo prazo de cinco anos, para depois subarrendar, comprometendo-se a pagar a renda aos proprietários, eliminando assim o risco de incumprimento. Nestas casas, o Governo garante que o arrendamento terá uma taxa de esforço máxima de 35% dos rendimentos do agregado familiar. O objetivo é claro: disponibilizar, de forma imediata, oferta de habitação para os agregados com especial dificuldade no acesso ao mercado de arrendamento.

Além desta medida, o Governo quer ainda aumentar oferta pública de habitação através da isenção de IRS sobre mais-valias na venda de casas ao Estado e aos municípios.

Arrendamento acessível com isenção de IMI, IRS e IMT e não só

O Governo anunciou uma série de novos benefícios fiscais para que incentivar a colocação de mais casas a arrendar a preços acessíveis:

  • Financiamento aos municípios para realizarem obras coercivas e em habitações que estão fora do mercado;
  • Arrendamento obrigatório de casas devolutas;
  • Taxa de 6% de IVA em construção e reabilitação para arrendamento acessível;
  • Isenção de IMI, IMT e IRS no arrendamento acessível: O Governo quer criar uma isenção de IMI por três anos após a reabilitação de um imóvel afeto ao programa arrendamento acessível e ainda beneficiar com isenção de IMT na compra de um edifício para reabilitar se, depois, for colocado no PAA. Além disso, quem colocar casas em regime de arrendamento acessível terá total isenção do pagamento de IRS sobre os rendimentos prediais provenientes deste arrendamento”, explicou ainda António Costa na ocasião.
Oferta de casas para arrendar
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Novas reduções de IRS para todo o mercado de arrendamento

O Governo lançou ainda novos benefícios fiscais a aplicar em todo o mercado de arrendamento. Desde logo, a taxa liberatória comum de 28% vai baixar para 25%. Este é um “incentivo fiscal importante para que haja mais casas no mercado de arrendamento”, acredita ainda o primeiro-ministro.

No caso do arrendamento habitacional de longa duração, o Executivo vai reforçar ainda a redução da taxa de IRS para que haja “estabilidade nos contratos de arrendamento”:

  • Se o contrato tiver entre 5 e 10 anos passará a beneficiar de uma taxa de 15% ao invés dos atuais 23%;
  • Se o arrendamento for entre 10 e 20 anos a taxa de IRS passará a ser 10% em vez de 14%;
  • E se o contrato for superior a 20 anos, a taxa será de 5% (atualmente é de 10%).

Alojamento Local: fim de novas licenças e agravamento de impostos

O Governo criou ainda outro mecanismo que para incentivar a colocação de casas no mercado de arrendamento. Serão proibidas novas licenças de Alojamento Local (AL), com exceção dos alojamentos rurais em concelhos do interior do país, onde poderão dinamizar a economia local. As atuais licenças de AL “serão sujeitas a reavaliação em 2030” e, depois dessa data, periodicamente, de cinco em cinco anos.

Além disso, os proprietários que tenham fogos em regime de Alojamento Local e que os transfiram para arrendamento habitacional terão taxação zero em IRS até 2030, desde que transfiram os imóveis até ao final de 2024.

Por outro lado, os imóveis que se mantenham no Alojamento Local vão ser chamados a pagar uma contribuição especial, sendo que a receita será consignada ao IRHU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) para financiar políticas de habitação.

Fim de novas licenças de Alojamento local
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4º eixo - Combater a especulação: com fim dos vistos gold

Governo vai deixar de conceder vistos ‘gold’

António Costa anunciou que o Governo vai eliminar a concessão de novos vistos gold e que em relação aos já concedidos “só haverá lugar à renovação se forem habitação própria e permanente do proprietário e do seu descendente, ou se for colocado o imóvel duradouramente no mercado de arrendamento”.

Controlo de rendas nos novos contratos

O valor das rendas dos novos contratos de arrendamento vai passar a ter critérios que limitam a sua subida. "Para novos contratos, a nova renda deve resultar da soma da última renda praticada com as atualizações que poderiam ter sido feitas no período do contrato", explicou o primeiro-ministro. Além destes dois critérios o valor da nova renda poderá ainda ter em conta o objetivo de inflação de 2% definido pelo Banco Central Europeu (BCE).

Segundo explica o programa "Mais Habitação", "nos imóveis que já se encontravam no mercado de arrendamento nos últimos 10 anos, a renda inicial nos novos contratos não pode ultrapassar os 2% face à renda anterior. A este valor podem acrescer os coeficientes de atualização automática dos três anos anteriores – se os mesmos ainda não tiverem sido aplicados, considerando-se que em 2023 esse valor foi de 5,43%".

Fim dos vistos gold
Foto de Tim Gouw no Pexels

5º eixo - Proteger as famílias da subida de juros e das rendas altas

Isenção de mais-valias para amortização de crédito habitação

O Governo aprovou também a isenção de imposto sobre as mais-valias geradas na venda de casas quando o valor da venda se destine a amortizar o crédito da habitação própria e permanente do proprietário ou descendentes.

Ou seja, não serão tributadas as mais-valias resultantes "da venda de imóveis do próprio" e que "sejam aplicadas na amortização do crédito de primeira habitação", deste e de descendentes.

Bancos vão ser obrigados a disponibilizar taxa fixa no crédito habitação

Os bancos vão passar a ter de disponibilizar ofertas de taxa fixa no seu portfólio de crédito habitação, anunciou o Governo, sinalizando que com esta medida deixará de ser possível, como atualmente, que as instituições financeiras possam não disponibilizar esta oferta.

Juros bonificados no crédito habitação 

O Estado vai bonificar em 50% a taxa de juro dos créditos habitação até 200 mil euros, de famílias cujo aumento supere o teste de ‘stress’, no caso de famílias que recebem até 38.632 euros anuais.

“Sempre que a taxa de juro suba acima desse valor máximo a que foi sujeito no ‘stress’, há um esforço imprevisto para a família relativamente àquilo que era a sua taxa de esforço e o Estado bonificará esse aumento em 50%", explicou o primeiro-ministro.

Esta medida terá um caráter temporário e o valor do apoio está limitado a 1,5 IAS, ou seja, até 720,65 euros.

Apoios no crédito habitação
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Novo subsídio para pagar renda da casa 

O Governo vai também “convergir a taxa de esforço para o máximo de 35% nas rendas. Aquilo que nos propomos fazer relativamente aos contratos já em vigor, é um apoio a todos os agregados familiares que tenham rendimentos até ao 6º escalão de IRS (inclusive) e uma taxa de esforço superior a 35% e renda de casa nos valores fixados pelo IHRU para o concelho, pode haver um apoio até 200 euros mensais por agregado familiar”.

Portanto, o Governo vai disponibilizar um subsídio de renda, no valor máximo de 200 euros, para apoiar as famílias que estão a gastar com a renda da casa mais de 35% do rendimento. O apoio corresponde à diferença entre a taxa de esforço real e a taxa de esforço final de 35%, para contratos celebrados até 21 de dezembro de 2022.

apoios às rendas das casas
Foto de Gustavo Fring no Pexels
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