Explicamos o regime do direito legal de preferência com fundamento jurídico.
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Sérvulo & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL (Colaborador do idealista news)

Um senhorio decide permutar a casa que está a arrendar sem oferecer ao inquilino preferência na aquisição. A decisão levanta questões sobre os limites legais e os direitos de quem ocupa a habitação, mostrando a importância de entender os mecanismos de proteção ao arrendatário e as responsabilidades dos proprietários em situações de permuta. Em causa está o regime do direito legal de preferência. E a questão que se coloca é: terá o arrendatário direito legal de preferência na aquisição do imóvel arrendado, no contexto de uma alienação formalizada através de permuta? 

O que é uma permuta?

Desde logo, importa esclarecer em que consiste um contrato de permuta. "Em traços gerais, uma permuta consiste num contrato através do qual as duas partes transmitem, de forma recíproca e simultânea, os seus direitos sobre determinados bens móveis ou imóveis que, por força desse contrato, passam a integrar o património das respetivas contrapartes. Por outras palavras, estamos perante uma troca de bens entre duas partes", começa por explicar Pedro João Domingos, da Sérvulo & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news.

Trata-se de um contrato atípico, ou seja, que não se encontra expressamente consagrado na legislação, mas cuja celebração é possível ao abrigo do princípio da liberdade contratual das partes, previsto no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual “[d]entro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos […] ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”.

O contrato de permuta apresenta notas distintivas relativamente a outros tipos contratuais, como é o caso da compra e venda ou da dação em cumprimento. Na compra e venda, o objeto do contrato é a entrega de um bem mediante o pagamento de um preço; na dação em cumprimento está em causa a entrega de um bem, como forma alternativa de cumprimento de uma prestação. Diferentemente, no contrato de permuta, as partes acordam na entrega recíproca de dois bens. Com efeito, estamos perante três tipos contratuais distintos, com diferentes regimes legais aplicáveis.

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O direito legal de preferência do arrendatário na aquisição do imóvel arrendado

 

  • Regime legal

Para responder à questão, é fundamental realizar uma breve análise ao regime legal aplicável ao direito legal de preferência do arrendatário na aquisição do imóvel arrendado.

Ao abrigo do artigo 1091.º, n.º 1 al. a), do Código Civil, na redação vigente, o arrendatário goza de direito de preferência “[n]a compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos […]”.

Nestes termos, na pendência de um contrato de arrendamento urbano em vigor há mais de dois anos, e perante uma intenção de venda ou dação em cumprimento do imóvel objeto do contrato de arrendamento, pelo senhorio a um terceiro, o arrendatário goza do direito de preferir na aquisição do imóvel, nas mesmas condições acordadas com o terceiro.

Ao abrigo do artigo 416.º n.º 1 do Código Civil, “[o] obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito de preferência o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato”, devendo a notificação ser “[e]xpedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção”, nos termos do artigo 1091.º, n.º 4, do Código Civil.

Tal significa que, quando o proprietário decide vender (ou dar em cumprimento) o imóvel arrendado, este deve comunicar essa intenção, por escrito, ao arrendatário, especificando todas as condições essenciais do negócio, nomeadamente, a identificação do imóvel, a indicação do preço e o modo de pagamento, a identidade do comprador, bem como, a data previsível para a formalização do negócio. Esta comunicação afigura-se absolutamente essencial para garantir a transparência e permitir que o arrendatário possa tomar uma decisão devidamente esclarecida e informada.

Em virtude do exercício do direito legal de preferência, na prática, o arrendatário irá tomar o lugar do terceiro e adquirir, para si, o imóvel objeto da preferência (o imóvel arrendado), nas mesmas condições acordadas entre o senhorio e o terceiro, ou seja, pagando o mesmo preço, na mesma modalidade e no mesmo prazo.

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  • Impossibilidade de exercício do direito legal de preferência no contexto de uma permuta

Existem diversas razões jurídicas para justificar a inexistência do direito legal de preferência, num cenário de alienação do locado através de um contrato de permuta, como é o caso, a título exemplificativo, do elemento literal da norma legal versada no artigo 1091.º, n.º 1 al. a), do Código Civil, que apenas prevê a existência do direito legal de preferência no contexto de compra e venda ou dação em cumprimento, bem como, a impossibilidade de aplicação analógica desta norma a outros tipos contratuais, como a permuta.

Sem prejuízo das considerações teóricas que antecedem, a impossibilidade de exercício do direito legal de preferência do arrendatário no contexto de uma permuta é igualmente justificada e facilmente compreensível, por um aspeto de índole eminentemente prática.

Ora, quando o senhorio decide alienar o imóvel objeto do contrato de arrendamento a um terceiro, através de uma permuta, o senhorio toma essa decisão de contratar porque o terceiro é proprietário de um outro bem, móvel ou imóvel, cuja aquisição interessa ao senhorio, como contrapartida pela entrega do imóvel arrendado.

Este bem móvel ou imóvel – que interessa ao senhorio, e que o senhorio pretende receber como contrapartida pela alienação do imóvel arrendado – é propriedade do terceiro, sendo, por essa razão, impossível que o arrendatário substitua o terceiro, entregando ao senhorio o bem que este tem interesse em receber.

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Em tese, e no limite, o arrendatário poderia propor uma permuta alternativa ao senhorio, não existindo, contudo, qualquer obrigação do senhorio de celebrar esta permuta, em detrimento da permuta equacionada com o terceiro.

Pelas razões acima expostas, o senhorio não é obrigado a conceder direito de preferência ao arrendatário, caso pretenda alienar o imóvel objeto do contrato de arrendamento, por meio de uma permuta, a celebrar com um terceiro.

  • Meios de reação em caso de preterição do direito legal de preferência

Considerando a atipicidade do contrato de permuta e ampla liberdade de que as partes beneficiam na conformação do contrato, admite-se a possibilidade de, em certas situações específicas, existirem dúvidas quanto à classificação do contrato celebrado.

Na eventualidade de – consideradas as especificidades do caso concreto, nomeadamente, as prestações acordadas e realizadas entre as partes – o negócio realizado pelo senhorio com o terceiro não dever ser qualificado como um contrato de permuta, mas antes como um contrato de compra e venda ou de dação em cumprimento, poderemos estar perante um caso de preterição do direito legal de preferência do arrendatário, por parte do senhorio.

Em tais situações, o arrendatário terá ao seu dispor a ação de preferência, tutela legal e jurisdicional, prevista no artigo 1410.º do Código Civil, que estabelece que “[o] comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação”.

Do referido preceito legal, decorre que o arrendatário apenas poderá exercer o seu direito legal de preferência caso não tenham, ainda, decorrido mais de seis meses, contados da data em que o arrendatário teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Caso existam dúvidas sobre a qualificação do contrato celebrado entre o senhorio e o terceiro, o arrendatário deverá solicitar apoio jurídico, de modo a assegurar que os seus direitos se encontram devidamente tutelados.

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