O conceito de cidade está a mudar. Hoje, as famílias procuram viver com qualidade de vida nos centros urbanos, o que significa viver perto do trabalho, das escolas e de todos os serviços e equipamentos públicos, mas também de parques e jardins - uma tendência que saiu reforçada da pandemia. Mas as cidades convivem com um problema estrutural: há falta de casas a preços acessíveis e, portanto, compatíveis com os rendimentos das pessoas. Esta realidade atinge, sobretudo, a camada mais jovem, mas também toda a classe média. E é para eles que as políticas de habitação estão hoje a ser pensadas em Lisboa, no Porto e no Funchal (Madeira), com um reforço da oferta de casas a preços acessíveis, garantem os respetivos autarcas. O tema esteve em discussão na conferência que esta quinta-feira, dia 12 de março, marcou o arranque do Salão Imobiliário de Lisboa (SIL) e o idealista/news conta agora as principais conclusões.
“Há um conjunto de pessoas da classe média, casais jovens e pessoas que querem sair de casa, mas não encontram casas a preços acessíveis." Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto
Há um ponto que une os três autarcas: “Queremos construir a cidade a olhar para as pessoas”, salientou Carlos Moedas. E isso significa criar políticas de habitação a pensar em todos. Embora considere que “não há uma solução ou varinha mágica para o problema de habitação”, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa reforçou na ocasião que há soluções desenhadas, que surgiram primeiro, para “aqueles que não têm nada”. Agora, a autarquia está focada em criar oferta de casas para “aqueles que não estão elegíveis para habitação social nem para programas de renda acessível”, como polícias e bombeiros, avançando que há um projeto em marcha neste sentido.
Isto acontece porque, tal como explica Rui Moreira, “o custo de habitação tem subido vertiginosamente, ao passo que o rendimento disponível dos portugueses não tem aumentado da mesma forma e está mesmo abaixo da média europia. Esta dicotomia obriga as cidades a fazer investimentos imensos e focalizados”, disse ainda o autarca da Invicta. E este cenário cria o novo desafio, segundo admitiu o presidente da Câmara do Porto que participou na conferência via Zoom: “Há um conjunto de pessoas da classe média, casais jovens e pessoas que querem sair de casa, mas não encontram casas a preços acessíveis. Isto tem que ver com o abandono de projetos de apoio para ter casa própria – o modelo esgotou-se em determinado momento”, sustentou ainda.
Também no Funchal estão a ser desenhadas “políticas públicas para habitação jovem”, uma medida que visa tornar as casas mais acessíveis às pessoas, mas também procura estimular a fixação de casais jovens neste concelho madeirense. Isto porque ao passo que população com 65 ou mais anos tem vindo a crescer, a percentagem de população entre os 14 e os 25 anos caiu no município. “A grande preocupação é adaptar as cidades às pessoas”, disse Pedro Calado, presidente da Câmara Municipal do Funchal, presente no evento. E para isso “temos de ter uma cidade preparada para atrair talentos, para atrair residentes olhando também para os nómadas digitais”. “É preciso pensar como aumentar a natalidade e dar condições para que as pessoas se fixem no Funchal”, reforçou ainda o autarca da capital madeirense.
Créditos: Diogo Coelho para o idealista/news
Quais são as soluções em marcha para criar habitação para os jovens e para a classe média?
Na visão dos autarcas, para criar habitação para os jovens e para a classe média é preciso combinar um conjunto de medidas. Passando por:
criar condições para tornar este investimento mais atrativo.
Licenciamentos mais ágeis
Na ocasião, Carlos Moedas destacou a importância de agilizar os licenciamentos: “Temos cada vez maior aceleração nas aprovações do licenciamento”, mas isto “exige regras claras e repostas rápidas aos promotores”, explica.
O que acontece na autarquia da capital portuguesa é que “70% dos processos não têm a informação necessária e estão mal instruídos”, admite o presidente da Câmara de Lisboa. E, por isso, foi criada “uma academia para instruir os processos: temos de trabalhar com as pessoas a montante para que os processos entrem bem”. E já com esta medida estamos a “trabalhar a aceleração dos processos”, recordando que através de uma plataforma os promotores conseguem ver estado do processo de licenciamento.
Também Rui Moreira destacou na manhã desta do primeiro dia do SIL2022 que “ter licenciamentos mais céleres, ajuda a agilizar processos e não aumentar os preços” das habitações.
Uma forma que a autarquia do Porto encontrou para estimular esta relação foi criar uma “interface entre município e os privados, uma agência de simplificação e promoção de investimento dentro da Câmara Municipal do Porto”. E o “Porto tem conseguido atrair muito investimento assim”, revela ainda Rui Moreira.
Créditos: Diogo Coelho para o idealista/news
Além disso, está a ser estudada outra solução de parceira público-privada: "A autarquia cede um terreno municipal, entrega aos privados que o exploram por longos períodos e disponibilizam casas a renda acessível”, explicou o autarca do Porto. Mas, alertou, que está é “uma equação difícil”, porque os “investidores privados deixaram de estar interessados em construir para arrendar”, muito devido ao “risco iminente que tem que ver com os direitos que os inquilinos adquirem”.
“Temos de mudar este paradigma” e dentro desse objetivo, segundo diz o autarca da cidade Invicta, é preciso, por um lado, “conciliar as tipologias existentes e o que a procura quer” e, por outro, “criar uma relação de confiança com os investidores”. Para isso, “precisamos também de estabilidade fiscal e de políticas públicas”.
Também o autarca madeirense concorda que “é importante transmitir segurança aos investidores” e é por isso que a Câmara Municipal do Funchal esforça-se por estar alinhada com o Governo Regional da Madeira “em prol do investidores e das políticas de habitação”, disse Pedro Calado, adiantando que a autarquia está a apostar também em incentivos fiscais (5% de IVA na construção, isenção de IMI e IMT), bem como na figura de gestor de processos para acompanhar os empresários e agilizar respostas.
Aproveitar fundos comunitários
“Queremos aproveitar os fundos comunitários do Plano de Recuperação e Resiliência para criar casas para jovens”, apontou o autarca do Funchal. Mas há aqui uma questão que se expande para o resto do país: “Os custos de matéria-prima triplicaram, temos falta de mão de obra e corremos o risco de chegar o prazo limite [2026] e perder a oportunidade de aplicar os fundos”. “Ou ajustam os prazos, ou o país todo vai desperdiçar os fundos comunitários”, alertou Pedro Calado.
A transformação dos centros urbanos para a cidade dos 15 minutos está a acontecer, mas a baixa velocidade. E, por isso, há que trabalhar “acelerar a mudança de processos que são lentos, muito porque as fontes de financiamento se esgotam facilmente”, disse o autarca do Porto.
Créditos: Diogo Coelho para o idealista/news
Quais os desafios para criar cidades do futuro?
Além de criar condições para criar soluções de habitação para a classe média, o presidente da Câmara de Lisboa admite que “quando pensamos as cidades, temos que pensar além do urbanismo e imobiliário”. E acredita que para criar cidade do futuro há que agarrar três desafios atuais:
Digital: “Perceber que o mundo das cidades mudou completamente” e que estamos perante uma “fusão entre o mundo físico e o digital”, em que o “físico através do digital pode falar com as pessoas, através de sensores. Pode ajudar não só a gerir a cidade, mas a construir a cidade”, admite o presidente da Câmara de Lisboa. Por exemplo, um sistema de esgotos pode conseguir detetar se há problemas de saúde pública na cidade.
Sustentabilidade: “Um desafio muito maior para a indústria da construção e imobiliário, tem uma responsabilidade enorme. E saber como construir um imobiliário mais sustentável, passa pelos materiais, mas também pelos processos que utilizamos. E quando o urbanismo não funciona [os processos de licenciamento], não estamos a contribuir para a sustentabilidade”, adiantou o autarca da capital.
Atração de talento: “Uma cidade tem de ser um polo de atração de talento. As pessoas têm de sentir bem na cidade. Quando falamos em unicórnios, falamos da necessidade de atrair talento. Há que ter a capacidade de focar inovação e tecnologia”, concluiu Carlos Moedas.
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