O mundo do trabalho está em constante evolução. E a pandemia veio dar o “empurrão” que faltava para que o teletrabalho e os espaços de coworking começassem a ganhar peso em Portugal. Hoje, são uma opção tanto para freelancers e nómadas digitais, como também para grandes empresas. Mas porquê? O coworking “não pode ser só um escritório, tem de ser uma experiência de trabalho em que as pessoas se possam conectar”, comenta em entrevista ao idealista/news Tiago Carvalho Araújo, cofundador da DeHouse, uma gestora de espaços de trabalho flexíveis no Norte do país.
Tanto os escritórios, como os coworkings têm lugar no mercado laboral. Mas “os espaços flexíveis vão ter cada vez mais interessados”, acredita o cofundador da DeHouse, empresa que nasceu há cerca de dois anos e já conta com cinco espaços no Porto e em Braga, onde até os animais de companhia são bem vindos. E é, por isso, que considera que "os proprietários e os fundos de investimento devem estar atentos aos espaços de trabalho flexíveis", que neste momento apresentam uma boa rentabilidade (talvez a melhor de todas).
Afinal, os espaços de coworking podem ser muito mais do que um escritório. "Temos muitos eventos e atividades, para tornar um espaço de trabalho numa experiência de trabalho”, acrescenta o também sócio da operadora, junto com Tomás Pitta e Mário Ferraz. “Somos extremamente focados na experiência de utilizador e sabemos que para melhorar a experiência não podemos pensar só na ótica do trabalho. Temos de pensar além disso”, explica Tiago Carvalho Araújo.
O seu objetivo maior passa por conectar pessoas e criar comunidades com os atuais espaços de trabalho flexíveis. Mas não só. Em entrevista, o cofundador da DeHouse avança que vai abrir mais quatro coworkings em Lisboa e no Porto este ano, além do DeHouse Península que abre portas esta terça-feira na Invicta. E este espírito de comunidade também vai dar o salto para o residencial, com o primeiro projeto de coliving.

O que o levou a fundar a DeHouse em Portugal? Qual a origem do nome da empresa?
Já estava envolvido em espaços de coworking. E senti que havia falta no mercado de uma empresa operadora de escritórios flexíveis, porque normalmente quando se tem a ideia de abrir um coworking é preciso encontrar um espaço para comprar ou arrendar, e planificá-lo. Aqui, senti que poderíamos ter mais escala se conseguíssemos fazer parcerias com proprietários e aplicar o nosso modelo de gestão de espaços de coworking, enquanto operadores, que passa por juntar empresas freelancers, startups, nómadas digitais, ou seja, conectar pessoas e criar grandes comunidades.
O DeHouse significa 'Decentralize Houses', pensado numa lógica de trabalho descentralizado, porque acreditamos no trabalho remoto e no trabalho híbrido. E o talento pode estar em qualquer lado, mas as oportunidades não. O que pretendemos fazer é abrir novos polos numa lógica descentralizada, juntando as duas vertentes.
"Isto não pode ser só um escritório, tem de ser uma experiência de trabalho em que as pessoas se possam conectar"
Que papel ocupam os espaços de coworking no mundo empresarial atualmente?
Acho que são fundamentais por diversas razões. Em primeiro lugar, há uns anos se uma empresa quisesse abrir um escritório tinha de arriscar muito mais do que tem hoje, porque teria de arrendar ou comprar um espaço, contratar um arquiteto, contratar uma empresa para fazer a obra, comprar mobiliário, contratar a empresa de limpeza, internet, água, luz, etc.
Nós oferecemos a simplificação de tudo, com um risco muito menor. Tratamos do investimento inicial, do mobiliário, da limpeza, sendo um projeto completamente chave na mão. E, depois, o nosso serviço não inclui apenas um escritório: temos muitos eventos e atividades, que associamos ao serviço de escritório para tornar o espaço de trabalho numa experiência de trabalho. Isto, associado aos locais que são lindíssimos – e o design importa –, temos aulas de yoga, aulas de boxe, aulas de surf, workshops de IA [Inteligência Artificial], workshops de literacia financeira, workshops de 'public speaking' e cada vez queremos ter mais. Estamos agora a pensar em avançar com um ATL [Atividades de Tempos Livres] para que os utilizadores com crianças possam trazer os filhos nas férias escolares e no final do dia. Temos também benefícios com negócios locais, com descontos em restaurantes, ginásios, clubes de padel e escalada. E todas as atividades que desenvolvemos estão incluídas no preço – salvo algumas exceções, como as massagens.
Temos várias ideias que queremos começar a implementar dentro do nosso conceito, porque isto não pode ser só um escritório, tem de ser uma experiência de trabalho em que as pessoas se possam conectar. Ou seja, a experiência do utilizador é o nosso foco e tem de ser cada vez melhor. E é por isso que acho que os espaços flexíveis vão ter cada vez mais interessados.

Quando é que os espaços de coworking passaram a ter maior importância em Portugal? A pandemia marcou o início?
Sim, sem dúvida nenhuma que a pandemia foi o maior empurrão de todos, embora estes conceitos já estavam a ser muito explorados no mercado norte-americano e em alguns países europeus também. Aqui em Portugal, visto que somos mais resistentes à mudança e que as empresas também são mais tradicionais, era algo que estava com alguma dificuldade em arrancar. Mas, com a pandemia, conseguimos provar que, com a tecnologia que existe atualmente, podemos trabalhar de forma descentralizada ou de forma híbrida. Então, isso foi o empurrão certo para os coworkings, porque as empresas agora têm consciência de que não precisam de arriscar e gastar balúrdios de dinheiro num escritório novo, quando podem iniciar num espaço partilhado, que lhes dá todas as condições de privacidade e segurança.
"Da conexão entre pequenas e grandes empresas podem surgir muitas oportunidades de negócio. (...) Pretendemos ser esse catalisador de conexões"
Há quanto tempo a DeHouse está no mercado? E como tem corrido a procura de empresas? Quais são as taxas de ocupação nos vossos espaços no Norte?
A DeHouse está no mercado há cerca de dois anos. Foi um crescimento muito grande. Começámos em dezembro de 2022 e já temos mais de 1.000 postos de trabalho. A procura de empresas pelos nossos espaços tem sido um sucesso - e até tem sido difícil de gerir. Crescemos cerca de 600% no primeiro ano e 400% no último ano. Este ano, vamos continuar certamente a crescer, pelo menos, 100%. E vamos focar-nos em consolidar e estruturar a equipa, para continuar a crescer de forma sustentada.
Atualmente, temos uma média de ocupação de 100% em quase todos os espaços. No DeHouse Downtown, como acabámos de abrir, ainda não estamos a 100%, mas é o único. Conseguimos isso porque se alguém quiser sair, tem de nos avisar com 90 dias de antecedência. E nesse período conseguimos quase sempre ocupar o espaço que fica vago.

Quais são os segmentos empresariais que mais vos procuram? E qual é a dimensão das empresas? Mais portuguesas ou estrangeiras?
A maioria das empresas que temos são estrangeiras, mas com portugueses a trabalhar. Nos nossos espaços temos cerca de 14 nacionalidades, mas correspondem entre 5-10% dos nossos clientes. Há muitos brasileiros, espanhóis e pessoas da Ucrânia, por exemplo.
Agora, a nível de dimensão é muito variado: temos várias empresas com apenas uma pessoa (freelancers ou pessoas que trabalham por conta de outrem), e depois temos empresas de grande dimensão, como a Siemens ou a Volkswagen Digital Solutions. Ou seja, chegamos a ter empresas de uma pessoa e companhias de 100 pessoas. E isso é bom, porque é desta forma que conseguimos acelerar sinergias, conectar pessoas e empresas, que é a nossa principal função. Da conexão entre pequenas e grandes empresas podem surgir muitas oportunidades de negócio. O talento é universal, mas as oportunidades não são. Então, pretendemos ser esse catalisador de conexões, de oportunidades.
São as empresas da área tecnológica as que mais nos procuram, porque preferem este modelo flexível. Mas também temos visto empresas ‘mais formais’, a optar por espaços de coworking, como seguradoras, advogados e contabilistas. Isto acontece porque um advogado ou um contabilista tem 300 ou 500 clientes para explorar dentro de um coworking, o que não teria num escritório tradicional.
"Vamos ter, pelo menos, mais quatro espaços para abrir este ano (...) e vamos fechar acordo para abrir em 2026 o primeiro espaço de coliving"
Têm na mira a gestão de mais unidades de coworking em breve? Onde?
Sim. Este ano, temos mais algumas negociações na calha e vamos ter certamente mais algumas aberturas para este ano. Hoje, temos a inauguração do DeHouse Península e depois vamos ter, pelo menos, mais outros quatro espaços para abrir este ano (dois no Norte e dois em Lisboa). E posso adiantar também que este ano vamos fechar certamente um acordo para abrir em 2026 o primeiro espaço de coliving com a marca DeHouse, que em princípio será no Porto.

Porque é que decidiram dar esse passo para o segmento residencial, com um novo coliving?
Porque achamos muito importante. A tecnologia, embora tenha surgido para nos conectar e aproximar, ao mesmo tempo isola-nos. Temos percebido que a maioria das pessoas vive em apartamentos, mas não conhece os vizinhos, o que é surreal e era impensável há uns anos. Com esta lógica de comunidade, queremos começar a trabalhar o residencial. Queremos que o sítio onde nós vivemos possa ser o sítio onde nós trabalhamos, mas fora de casa. Ou seja, que seja possível conectar pessoas, mas numa lógica de vivência, de residência e de trabalho em simultâneo. Apesar de demorar mais tempo, por ser uma obra mais longa, vamos ter novidades este ano sobre o coliving para apresentar algo mais concreto em 2026.
Será um investimento muito maior do que um escritório flexível. Vamos precisar de investidores externos à nossa empresa, dado que seremos um operador. Mas será uma experiência nova e muito enriquecedora para a nossa equipa. Acho que vamos criar um mercado, porque muitos portugueses não sabem que o nosso futuro poderá passar por aqui. Queremos ter esta experiência e ser dos primeiros a tentar fazê-lo.
"Este conceito de partilha vai fazer parte do nosso futuro, sem dúvida alguma"
Qual é que vai ser o vosso target neste projeto de coliving?
Diria que é uma classe média mais jovem. As pessoas que vão procurar este tipo de conceitos serão pessoas mais jovens, mais disponíveis para experimentarem um conceito novo de residência. Mas também já terão de ter um salário relativamente considerável. Porque nunca conseguiremos ter uma renda muito mais baixa do que as rendas que se praticam atualmente e que estão caríssimas.
Como é que vê os projetos de uso misto que estão agora a surgir em Portugal?
Acho incrível, porque são sempre negócios complementares. Sempre que conseguirmos ter negócios complementares de uso misto é a forma mais prática de termos a certeza de que o negócio vai efetivamente funcionar. Acredito muito em parcerias e estes negócios diferentes são, no final de contas, uma parceria entre várias empresas e entre ideias que se podem complementar. Por isso, acho que é fantástico o negócio de partilha, e este conceito vai fazer parte do nosso futuro, sem dúvida alguma.

Como funciona o modelo de negócio da DeHouse? Está nos vossos planos comprar um edifício e fazer um investimento de raiz?
Hoje, a DeHouse opera de duas formas no mercado: arrenda espaços a proprietários para depois fazer o investimento e a gestão do imóvel. Ou, em alternativa, tem parcerias com proprietários em que eles fazem o investimento e nós somos apenas operadores.
Gostaríamos muito de fazer um investimento de raiz e está nos nossos planos. Mas é algo que é mais difícil, porque normalmente requer muito investimento e nós somos uma empresa ainda jovem. Havemos de lá chegar.
"Os proprietários e os fundos de investimento devem estar atentos aos espaços de trabalho flexíveis, que são muito procurados"
Este tipo de negócios de coworking é atrativo para investidores imobiliários? Como estão as taxas de rentabilidade?
Diria que sim, porque temos sido bem-sucedidos nesta lógica. Há cada vez mais pessoas que confiam em nós à medida que temos mais espaços. Temos tido mais interessados em trabalhar neste formato. E acho que os proprietários e os fundos de investimento – onde existe muita liquidez – devem estar atentos aos espaços de trabalho flexíveis, que são muito procurados.
Embora seja arriscado, diria que neste momento os espaços de trabalho flexível são o ativo imobiliário com mais rentabilidade de todos, sendo apenas o turismo comparável (quase igual ou até um pouco superior). Mas para construir um hotel gasta-se 10 vezes mais do que um coworking, por isso é que o coworking tem muito menos risco.

Qual será o futuro dos espaços de coworking em Portugal? E do mercado de escritórios?
Considero que o escritório tradicional está um pouco condenado, porque as empresas vão acabar por perceber que têm muitas vantagens em optar por este modelo, seja em flexibilidade, seja em custos. Se houver uma corrida entre um escritório tradicional e o escritório flexível, neste momento o escritório flexível está a ganhar. No entanto, há mercado para todos. Penso que a tendência é que o escritório flexível continue a crescer a um ritmo acelerado e que o escritório tradicional comece a decrescer.
"Estamos a pensar no futuro do trabalho, numa lógica de tornar os espaços cada vez mais sociais"
Como perspetiva o futuro do trabalho em Portugal?
O teletrabalho beneficia-nos, porque somos uma solução para todos os trabalhadores remotos, que podem optar por casa, mas podem também muitas vezes ir ao escritório. E como a maioria das empresas está a optar pelo trabalho híbrido, acabamos por ser, sem dúvida, a melhor solução, porque estamos precisamente a pensar no futuro do trabalho, numa lógica de tornar os espaços cada vez mais sociais. Ou seja, vamos cada vez menos falar em trabalho e cada vez falar mais um espaço social em que pessoas se conectam. E já estamos a pensar até na planificação dos nossos espaços para, por exemplo, deixar de ter tantas mesas de trabalho e passar a ter locais que convidem à conexão. É isto que vamos certamente fazer nos próximos espaços que vamos abrir.
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