
Com os valores da avaliação bancária de imóveis em máximos, os peritos profissionais deste setor enfrentam, todavia, momentos de forte baixa. Honorários reduzidos, concorrência elevada (e por vezes) desleal, seguros caros - mas que não cobrem os todos os riscos -, aumento da responsabilidade civil e um regulador, a CMVM, sem meios para fiscalizar, são alguns dos aspetos caraterizam a situação de crise que se vive atualmente na atividade de avaliador imobiliário em Portugal.
Consciente destes problemas - e num contexto de alta subida dos preços das casas no mercado imobiliário nacional, sobretudo nas grandes cidades - a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) decidiu emitir, recentemente, uma nota circular em que reclama aos peritos imobiliários “isenção” e imparcialidade na avaliação aos imóveis.
"Os peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro nacional encontram-se vinculados ao cumprimento das regras materiais e formais de ordem técnica, às regras de ética, à isenção e imparcialidade”, escreve o regulador, destancado que “os elementos constantes dos relatórios e ou o juízo profissional do perito não podem, em circunstância alguma, ser constrangidos”.
Bancos pagam pouco e exigem relatórios rápidos
A pressão da banca - que é o principal cliente dos peritos imobiliários, a quem prestam serviços de avaliação de imóveis que servem de base ao crédito à habitação concedido pelos bancos - é, segundo apurou o idealista/news junto de várias fontes, a grande causa de todo este cenário que ensombra hoje em dia o mercado, havendo mesmo o registo de casos de más práticas. O idealista/news tentou, por várias formas, saber a posição da Associação Portuguesa de Bancos (APB) sobre este tema, mas até à data de publicação deste artigo não obteve qualquer reação.
"Os peritos avaliadores de imóveis que prestem serviços a entidades do sistema financeiro nacional encontram-se vinculados ao cumprimento das regras materiais e formais de ordem técnica, às regras de ética, à isenção e imparcialidade”, lê-se na nota circular emitida pela CMVM
No setor imobiliário, fala-se - por vários lados - de sobrevalorização do valor dos imóveis pelos peritos, sob indicação da banca, de forma a que possam ser dados empréstimos mais elevados. Na nota circular a CMVM afirma que “nem os peritos avaliadores de imóveis podem aceitar, em função de uma qualquer relação comercial, que o cumprimento dos seus deveres legais possa ser limitado por terceiros, designadamente mediante a imposição do uso de minutas de relatórios de avaliação”.
A Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários (ANAI), por escrito, assume ter "conhecimento de remunerações estipuladas para serviços de avaliação que, por reduzidas, muito dificilmente serão compatíveis com as melhores práticas, acrescendo a imposição de prazos para produção de relatórios extremamente curtos (e cujo valor de remuneração é função da rapidez de execução)".
Destacando que a legislação aplicável indica “que os elementos constantes dos relatórios e ou o juízo profissional do perito não podem, em circunstância alguma, ser constrangidos nem os peritos avaliadores de imóveis podem aceitar, em função de uma qualquer relação comercial, que o cumprimento dos seus deveres legais possa ser limitado por terceiros”, a ANAI reconhece, porém, em declarações ao idealista/news que "privilegiando-se a quantidade em detrimento da qualidade, podemos suspeitar que nem sempre a qualidade devida ficará assegurada".
Más práticas descredibilizam setor
A própria CMVM está consciente de que a banca está a pressionar o setor dos avaliadores. Prova disso mesmo é que o regulador incita os especialistas, na referida circular, a recusarem, por exemplo, a imposição de minutas pré-elaboradas por terceiros.
Por outro lado, tem-se registado "um aumento muito significativo das responsabilidades e dos custos (nomeadamente Seguro de Responsabilidade Civil e Comissões de Supervisão a pagar à CMVM) intrínsecos à prática profissional dos Peritos Avaliadores de Imóveis sem que tenha havido uma adequação às novas exigências na remuneração dos serviços de avaliação", relata a associação recordando que tais procedimentos surgem "por imposição legal e por parte das entidades contratantes".
E, pelas vozes do presidente da direção, Ramiro Gomes, do vice-presidente José Araújo e do membro do Concelho Científico, Jorge Ferreira Vaz do Instituto Politécnico de Bragança, a ANAI avisa que "a manter-se toda esta situação, poderemos caminhar para um afastamento dos melhores profissionais, condicionar a formação contínua, e assistir com prejuízo de todos à descredibilização de tão importante atividade", frisando que "a cada vez maior responsabilização dos peritos e importância dos serviços que prestam opõe-se a nefasta tendência para lhes mitigar remuneração compatível e desconsiderar o tempo necessário para produzir devidamente os seus relatórios".
O idealista/news questionou, por email, a CMVM sobre o que motivou, efetivamente, o envio desta circular e se existem já procedimentos, práticas, sanções ou processos sancionatórios em curso, mas até à publicação deste artigo, o regulador não deu qualquer resposta. Já à ANAI, em reunião, e "sobre quais os procedimentos de controle da qualidade, isenção e incompatibilidades no exercício da avaliação imobiliária por parte dos Peritos Avaliadores de Imóveis (PAI) registados na CMVM", o regulador disse que "a supervisão é sigilosa", escusando-se a partilhar informação, conta a ANAI.
Honorários inferiores aos de 2008
Dados do gabinete de estudo da ASAVAL – Associação Profissional das Sociedades de Avaliação - divulgados num congresso sobre a atividade, que se realizou na passada sexta-feira, no Porto - permitem verificar que os honorários dos peritos avaliadores são agora inferiores aos que eram pagos em 2008.
Segundo dados da ASAVAL, os honorários dos peritos avaliadores são agora inferiores aos que eram pagos em 2008
“Os valores pagos em média, pelas cinco maiores instituições financeiras pela avaliação do portefólio definido, foram, no ano de 2008, de 8.500 euros. O valor pago, nas mesmas condições, no ano de 2018, foi de 6.000 euros”, pode ler-se no referido estudo.
A situação é ainda mais crítica quando comparada com a situação registada em outros países europeus, onde os valores pagos chegam a ser oito vezes mais altos (caso da Alemanha), ou cinco vezes mais (França).
Pugnar por tarifas sustentáveis
Paulo Barros Trindade, presidente da ASAVAL, considera assim que é necessário dignificar e valorizar esta profissão, tendo sido este, aliás, o mote do congresso.
“É um facto que com a evolução do sistema financeiro, mais urgente se tornou que haja a valorização da profissão de perito avaliador, cuja situação se detiorou muito”, destaca o responsável.
Por isso, considera, é preciso tomar várias medidas, como “pugnar por honorários sustentáveis e que dignifiquem a profissão”. Mas, também, “pela necessidade de credibilizar a profissão de perito avaliador.
Na opinião do alto cargo da ASAVAL, “há uma necessidade de normalizar os procedimentos, que não existem e são definidos pelos clientes, sendo que os bancos constituem a maioria deles”. E, acrescenta, “em Portugal são os bancos que definem as regras”.
Paulo Trindade acredita que a forma correta passa pela adoção das Normas Europeias de Avaliação (EVS) e pela acreditação dos peritos com os títulos VER (Recognized European Valuer) e TRV (TEGoVA Residential Valuer).
E a ANAI vai na mesma linha. A criação de uma "regulação transversal da atividade" ajudaria a acabar com esta crise.
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